Um dia a Sra M chegou lá ao serviço. Tinha tido um AVC e estava com dificuldades em mexer a parte direita do corpo. Fora isso conversava muito bem e era uma pessoa, que apesar dos seus 65, era muito actual e bem disposta. Do que contava da sua vida, dava para entender que tinha sido sempre uma mulher de armas! Aguentou as traições do marido, foi obrigada por ele a fazer 7 abortos, e criou sozinha 3 filhos porque o marido não a apoiava... e passados 20 anos, separou-se e vive a vida dela, como ela diz "porque é o melhor que temos!". Voltou a apaixonar-se por um senhor que "cuidava dela" e que a fazia sorrir. Desde que ela foi internada, ele visita-a todos os dias, ajuda-a no que ela nao consegue fazer... é mesmo de ver e de desejar encontrar alguem assim!!!
Um dia ela disse-me que estava desejosa de sair, de melhorar, de voltar a andar, nem que fosse com uma bengala... queria ver as marchas de Santo António, porque gostava das musicas e porque um dia gostava de ter participado,mas que não era de Lisboa. Via todos os anos na TV e adivinhava todos os anos quem ganhava...
Na vespera de Santo António a Sra foi fazer um exame e as coisas correram mal... ela repetiu o AVC, desta vez de modo gravissimo... Quando a voltei a ver não se lembrava de mim... parecia que falava com ela ela estava noutro mundo. Não dizia uma frase correcta... Quando o marido a veio ver, começou a chorar porque ela já não lhe dizia, como de costume "só tu me fazes sorrir!". Ele perguntava: "Lembraste de mim?" e ela respondia "iogurte? para quê plantar essas coisas...?!"
Nem sei expressar o sentimento que tenho (e muito menos o que terá o Sr.) ao perceber que a senhora, irreversívelmente, vai viver no mundo dela. Tentei dizer-lhe que tinha ganho a marcha de Marvila.... ela respondeu-me "Já disse que hoje não lavo a roupa!"....
Ela está confusa, agitada, fala fala e não diz nada de jeito. Mal consgue ajudar-nos como antes fazia... é uma tristeza, e acreditem que me custa prestar-lhe cuidados... Como é que de um momento para o outro deixamos de ser nos mesmos... como de um momento para o outro esquecemos todos os objectivos e perdemo-nos nas memórias, no vazio e nada nem niguém lhe diz alguma coisa...
E é por isto que ás vezes caio em mim e penso que devemos dizer as pessoas tudo o que sentimos, devemos "aproveitá-las", saboreá-las na sua essencia porque podem não morrer, mas podem deixar-nos sós na mesma não nos reconhecendo... saboreiem quem amam....
(do site: http://missindependent.blogs.sapo.pt/)
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