Já passou mais uma noite... ufffaaa !!!
Foi uma noite cansativa... parece que demorou séculos a passar... De manhã estava com um ar desolado.... e não é para menos, acho que começo a ficar deprimida por estar tão rodeada de mortes como ultimamente!
Antes de começar a trabalhar, nunca tinha visto uma pessoa morta. Confesso que tenho algum receio... (de quê perguntas vocês... e com razão, não há motivo para ter medo...). São pancas!!! E agora, parece que diariamente tenho que lidar com essa situação (oh para mim a usar eufemismos...).
Não, esta noite não nos abandonou ninguém, mas ia abandonando... um senhor, por quem eu estava responsável, começou a ficar muito preguiçoso para respirar... era necessário estar constantemente a fazer ambú para que o ar chegasse aos pulmões e para que o oxigénio no corpo não diminuísse muito... Mas sempre que eu parava de fazer o ambú lá iam as saturações para baixo... e eu lá voltava a fazer ambú até me doerem as mãos. O médico disse: "Não há muito mais a fazer.... quando quiser pode parar!". Quando EU quiser, morre uma pessoa... nem sei o que pensei na altura. Só me vinham as lágrimas aos olhos. Eu sabia que ele podia aguentar, eu sabia que ele esteve consciente, reconhecia a família apesar de não lhes falar... txi podia agora chamar à conversa um sem número de razões éticas para deixar ir e para apostar para que as pessoas não morram...
O tempo passava... estavam a chegar as 8h (horas da passagem de turno). Estava tudo a minha espera...mas eu continuava a dar ambú .. as saturações subiam.... eu parava... as saturações desciam...e eu continuava a dar ambú .. não conseguia parar, não conseguia ser eu a decidir... ... 8:05h ...eu parei...as saturações de 88%... 87%...88%...89%...89%...89%...89%... e assim ficou... esperei... 89%, 89%...88%...89%...90%... estava a ficar!!! Tinha de ir... fui embora, com nó na garganta.... passei o turno e corri... Saturações 92%!... Ficou!!! Não salvei ninguém... nem sei se fiz bem não a deixar ir, mas porque tenho eu de decidir isso! Não quero, não consigo... sei que o senhor não vai ter outro fim, mas... não consigo decidir quando é que esse fim será!!!
Beijos e Abraços...
(De Graça Loureiro)
As minhas visitas